Saúde mental no trabalho: estamos emocionalmente adoecendo e ignorando os sinais
- Aline Peixinho
- 10 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 27 de mai.
Em 2024, mais de 472 mil trabalhadores foram afastados por questões relacionadas à saúde mental, como ansiedade, depressão e outros transtornos psíquicos, sendo esse o maior número registrado na última década, representando um aumento de 68% em relação a 2023, segundo dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social e publicados pelo G1 em março deste ano.
Por mais que os números impressionem, eles não chegam a surpreender a quem vive tentando equilibrar as exigências do trabalho com as responsabilidades da vida pessoal, horas de sono de qualidade, atividade física e uma alimentação minimamente pensada, pelo contrário, eles apenas colocam no papel o que muitos de nós já sentimos no corpo, no sono, na irritação constante, na fadiga que não passa, na apatia disfarçada de cansaço: estamos emocionalmente adoecendo. Estamos sobrecarregadas e cansadas, tentando dar conta de muitas coisas, o que nos deixa cada vez mais com menos espaço para simplesmente parar, respirar e existir, sem a pressão de ser produtiva, e é nesse cenário que a discussão sobre saúde mental ganha ainda mais urgência, tendo em vista que cuidar da mente, das emoções, dos afetos e dos limites não pode mais ser um privilégio de poucos ou uma medida emergencial para quando a crise já se instalou.

Cuidar da saúde mental não tem como pré-requisito estar à beira de um colapso, ter um diagnóstico formal ou não conseguir sair da cama, ao mesmo tempo em que não é (ou não deveria ser) uma solução de última hora, mas sim uma forma de manutenção regular da vida psíquica, uma maneira de sustentar o que nos move, observar o que nos afeta, lidar com o que nos atravessa. Fazer terapia é ter uma hora dentre as 168 que compõem nossa semana, para você se escutar com atenção, sem a pressa do mundo, para acolher seus silêncios, nomear o que sente, rever escolhas, questionar padrões, resgatar desejos, para aprender a lidar com o que incomoda e, talvez, pela primeira vez, aprender a respeitar seus próprios limites sem culpa, porque sim, vivemos em um tempo em que a ideia de “dar conta de tudo” ainda é romantizada, onde descansar parece sinal de fraqueza e pedir ajuda é visto como falha, e isso afasta muita gente das sessões de psicoterapia.
O estigma ainda é grande, pensamentos como "não estou tão mal assim”, “tem gente em situação pior”, “vou esperar passar”, “não quero parecer fraco”, são frases comuns que só reforçam o adiamento de algo que deveria ser visto como necessidade básica. Indo ainda mais adiante, é preciso ressaltar que o cuidado com a saúde mental não é só responsabilidade individual, e isso porque nós não podemos nos descolar dos ambientes em que vivemos e trabalhamos. Não dá para falar de adoecimento psíquico sem falar de estrutura familiar e questões sociais, e principalmente, sem falar de cultura organizacional, de como as relações se estabelecem dentro de uma empresa, de como os prazos são distribuídos, como os feedbacks são dados ou simplesmente nem são dados, e de como lideranças escutam e gerenciam suas equipes.
O ambiente de trabalho é, muitas vezes, onde o sofrimento começa a se manifestar com mais força, sintomas que aparecem de forma silenciosa e vão crescendo, como a ansiedade que se disfarça de "procrastinação", o cansaço que não passa mesmo depois do fim de semana, a irritabilidade constante que é engolida em nome da “boa convivência”, ou simplesmente aquela enxaqueca que você sente todos os dias ou a gastrite que surge "do nada" e, por isso, empresas (e aqui incluo pessoas que assumem cargos de liderança) têm um papel fundamental no incentivo a promoção de saúde mental, que vai muito além de oferecer um plano de saúde com cobertura psicológica ou fazer campanhas em datas simbólicas, o compromisso real com a saúde mental está na forma como a empresa constrói e sustenta relações mais humanas no cotidiano.
É nas pequenas situações do dia a dia que a saúde mental é cuidada - ou negligenciada, seja no tom de um e-mail, no ritmo das reuniões, nas pausas que se respeitam, nas metas que se constroem de forma conjunta, na autonomia que se confia, nos vínculos que se estabelecem, e até mesmo através do próprio cuidado, tendo em vista que lideranças adoecidas também adoecem equipes. Por isso, o cuidado com a saúde mental precisa ser pensado de forma transversal, não apenas como um apêndice das políticas da empresa, tem que estar no centro das discussões e atravessar o RH, a gestão, a comunicação, as metas, os processos, e os vínculos, porque o emocional não é um detalhe, é o que sustenta ou desmorona tudo o que se constrói.
Do lado de cá, enquanto psicóloga clínica, naquilo que cabe individualmente, o convite continua sendo o mesmo: olhe para você, com mais honestidade, com mais escuta, com mais presença, sem precisar esperar o esgotamento chegar, pois é possível buscar apoio mesmo sem saber exatamente o que está errado, mesmo que “não seja tão grave assim”, mesmo que você ache que “dá conta sozinha”. A psicoterapia não é um lugar onde se vai para se consertar, mas sim um espaço onde se vai para se ouvir, e cuidar da saúde mental é sim, um compromisso coletivo, mas que começa em pequenos gestos individuais, tanto consigo mesmo, quanto com o outro, porque ninguém precisa chegar ao limite para entender que precisa de cuidado, e se você ainda está esperando o momento certo para começar, talvez esse momento já tenha chegado.

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