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“Está tudo bem, mas eu não estou”

  • Foto do escritor: Aline Peixinho
    Aline Peixinho
  • 20 de mai.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 27 de mai.

Essa é uma frase que tenho escutado com certa frequência, e não só no consultório, dita com um certo constrangimento, como se não fosse permitido se sentir mal quando, aparentemente, a vida está funcionando. Existe um incômodo silencioso em viver esse tipo de desconexão: quando o trabalho vai bem, a rotina está em dia, os compromissos são cumpridos, mas, internamente, algo parece fora do lugar. Esse desencontro entre o que se vive por fora e o que se sente por dentro não é raro, muito pelo contrário, é um tipo de sofrimento emocional que costuma passar despercebido até por quem o sente, justamente porque não há uma "justificativa concreta" para estar mal, e por não haver um motivo claro, surgem a culpa e a autocrítica, e junto delas, frases como: “mas eu tenho tudo para estar bem”, “tem gente passando por coisas muito piores”, “é só uma fase.”


A consequência disso é o silenciamento da dor, uma tentativa de encaixá-la em alguma lógica ou, pior ainda, de ignorá-la por completo. Vamos funcionando, como quem empurra os dias, esperando que essa sensação passe sozinha, de modo que, muitas vezes, ela até passa, mas volta, e a cada retorno, parece um pouco mais forte, mais presente, mais difícil de disfarçar. Talvez essa seja uma das armadilhas mais sofisticadas do sofrimento psíquico, não precisa de uma crise escancarada para existir, podendo se manifestar nos pequenos vazios, na ausência de entusiasmo, na falta de sentido, na dificuldade de se conectar consigo mesmo e com os outros, e é justamente por isso que é tão difícil nomeá-lo.

Está tudo bem, mas eu não estou

Vivemos em uma cultura que valoriza a produtividade, a eficácia, os resultados, e apenas a ideia de subjetividade, sentir, lugar de não saber, parecem um desperdício de tempo. Sentir-se desconectado de si mesmo, sem grandes motivos, é muitas vezes visto como frescura, drama, ou pior, falta de gratidão, e esquecemos que saúde mental não se mede apenas pela nossa capacidade de manter a rotina funcionando, numa lógica produtivista. Estar bem vai muito além de cumprir tarefas e dar conta das demandas externas, tem a ver com sentir-se inteiro, presente, capaz de se escutar, de se afetar, de fazer sentido nas próprias vivências.


Por isso, quando alguém diz: "está tudo bem, mas eu não estou", o que essa pessoa está dizendo é: "me perdi de mim em algum lugar no caminho, e não sei bem como voltar", e isso merece ser escutado com seriedade, com acolhimento, sem julgamento. A psicoterapia é um desses espaços onde essa escuta pode acontecer, não para dar respostas prontas ou oferecer soluções rápidas, mas para construir, junto com a pessoa, um caminho de reconexão com sua própria experiência e, mais uma vez, gosto de reforçar, um espaço onde não é preciso estar à beira de um colapso para procurar ajuda, onde não é necessário justificar o sofrimento com uma narrativa trágica.


Às vezes, o que adoece é justamente essa desconexão sutil, essa sensação de que algo está faltando, mesmo quando, objetivamente, nada está, e através de uma escuta sensível, muitas pessoas começam a perceber que não estavam exagerando, nem dramatizando, mas sim que o incômodo era legítimo, e a dor, mesmo sem nome, merecia lugar. Nem sempre, conseguimos sozinhos, dar sentido ao que sentimos, e faz parte! Vivemos em um tempo que nos cobra respostas rápidas e certezas absolutas, mas o processo de se escutar demanda tempo, presença e coragem - coragem para reconhecer que algo não vai bem, mesmo quando o mundo espera que você esteja ótimo.


Se esse texto te toca de alguma forma, talvez ele te lembre de algo que você tem tentado calar, talvez ele te convide a olhar com mais gentileza para o que sente, talvez seja só um lembrete de que não precisa ser grave para ser importante, e que você não precisa seguir fingindo que está tudo bem, quando não está. Buscar terapia não é sinal de fraqueza! É um gesto de cuidado, um compromisso com a própria saúde emocional, e se há algo dentro de você pedindo por atenção, por escuta, por presença, talvez esse seja um bom momento para começar.



Está tudo bem, mas eu não estou

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